Pátio e Sub-Localidades

Parece que suas palavras, de alguma forma, atingiram o âmago do cavaleiro que treinava exaustivamente, considerando a sua reação extremamente diferente após ouví-las. Um choque de realidade por vezes era o suficiente para fazer que abrissem os olhos ante a verdade, cujo muitas vezes, jazia bem abaixo de narizes desatentos. Sim… a verdade era mesmo libertadora.
O semblante do garoto logo mudou. Uriel reconheceu aquele olhar, totalmente diferente do anterior — uma feição concentrada e intremula. Sem medos ou dúvidas para atrapalhar, focada somente em seu objetivo e nada além… Sim, ele conhecia bem esse olhar.

O cosmo sublime novamente tomou conta do braço do garoto, que dessa vez o balançou sem medo algum de cortar; até porque, esse era o único objetivo de sua lâmina. Era esse o único propósito de sua existência: Cortar. Simplesmente não havia motivos para ela ser contida.
As cicatrizes no corpo de um cavaleiro não eram sinais de fraqueza ou ineficiência. Eram medalhas de batalha; marcavam na pele a superação dos ferimentos. De seus limites… simplesmente, não havia nada a esconder. A temer.

E foi assim que o feixe de luz se desenhou, rasgando o que entrou no caminho de seu fio em uma forma muito mais eficiente. Na verdade, observando bem, nem mesmo parecia a mesma espada — era como comparar uma lâmina enferrujada e quebrada, com uma espada totalmente diferente. Praticamente tendo se transformado, na verdade, somente liberou o potencial contido… nessa vida, tudo e todos tem o seu propósito. Negar isso e tentar mudar a verdade era mais do que um incômodo. Era, também, uma fraqueza a ser ceifada.

— Vê? Não existe nada de proveitoso no medo e da incerteza.

Concluiu, assentindo positivamente apesar da expressão inalterável. Parece que de alguma forma havia o ajudado… pois bem. Uma espada descontrolada, agora, já não aparentava ser um futuro problema para ele. A fraqueza de outros irritava-o tanto quanto as suas próprias, então, ajudá-lo de certa forma o satisfez.
Simplesmente virou, no propósito de sair do local sem despedidas prévias ou qualquer cerimônia. Agora que havia o aconselhado, já não mais se fazia necessário ali, tampouco se interessava. Ele próprio apreciava um bom treinamento reservado, longe de olhares curiosos e inconvenientes, e a julgar pela escolha do espadachim no que diz respeito ao local de treinamento, ele não pensava tão diferente.

Já havia perdido a conta de quantas vezes tinha treinado naquele dia, estar isolada na grande parte do tempo era muito bom, poderia ficar sem a maldita máscara, não gostava de usá-la, mas prezava pelas regras do Santuário, porém, quando estava sozinha, não via problema algum. De sua boca saía uma pequena nuvem branca, indicando que o ar ao seu redor estava frio, ou melhor, o ambiente ao seu redor estava congelado. Procurava se acalmar depois de muito tempo treinando, para que o ambiente voltasse ao normal.
— Acho que exagerei um pouco. — colocou a máscara de volta e tratou de andar.
A vida no santuário às vezes chegava a ser um pouco monótona, tudo calmo e quieto, cavaleiros e Amazonas andavam de um lado para o outro e treinavam, nada mais que isso, e esse ambiente chegava a entediar a Amazona.

Os olhos ainda tremiam diante das próprias mãos, buscando avidamente a verdade por trás das últimas cenas. A Excalibur em seu braço mostrara o corte tênue e perfeito que tanto buscara naqueles dois anos de Cavaleiro de Espadarte. Uma sensação reconfortante o tomava por inteiro, expelindo para fora todo o peso que sentia; o medo, a insegurança e a dor não existia no corpo de Blue. Aqueles sentimentos conflitavam com a existência da Excalibur Morgan, que jamais aceitaria um fraco mestre. Estava um passo mais próximo da perfeição da sua espada.

Blue voltou-se para o cavaleiro logo após a sua fala, mas este já parecia estar preparando-se para ir embora. Sinceramente, o Espadarte não sabia o que deveria fazer; evitara o contato humano por toda a vida, permitindo a aproximação apenas de seu mestre e Joyeuse. Mesmo com a sua chegada no Santuário, devido aos diversos acidentes no próprio corpo, também evitada os demais. Porém, agora sentia-se mais confiante de que não machucaria mais ninguém.

— Hm... muito obrigado — disse, sem muito jeito. — Você me ajudou muito. Eu sou Blue, Cavaleiro de Bronze de Espadarte.

Uriel já caminhava em direção a qualquer outro lugar, pronto para deixar o garoto dar continuidade ao seu treinamento, agora com uma nova concepção de sua própria técnica. O próprio ruivo também tinha um treinamento, novamente, pra realizar; apesar disso, tristemente seus lugares de interesse para tal encontravam-se bem distantes do santuário.
Foi então que ouviu a voz do menino, agradecendo-o pela ajuda no treinamento. Cessou os passos, sem virar para ele depois que o escutou falar. Continuou olhando o horizonte, respondendo-o sem contato visual.

— Eu sei disso. Há poucos cavaleiros no santuário que lutam com espadas em seus corpos.

Além do próprio Blue, Uriel também tinha conhecimento do Capricórnio, um dourado cuja a especialização era justamente sua espada; o seu coração adamantino era descrito como uma própria lâmina, com um fio tão forte quanto justo. Possivelmente, este era o próprio mestre de Blue, o que explicaria a sua fissuração inabalável por continuar quebrando seus limites, mesmo que isso se refletisse em seu corpo.

— Sou Uriel… — Na mesma posição, respondeu. Não faria mal dizer ao menos o seu nome. — Uriel de Fênix. E não agradeça. Você, cedo ou tarde, descobria isso… a dor ensina.

Os olhos do escocês abriram-se mais que o comum ao ouvir a palavra "fênix". Ouvira falar que recentemente um cavaleiro conquistara tal armadura, mas jamais imaginaria que encontraria aquele homem e este o ajudaria em seu treinamento. Conhecia um pouco da lenda que envolvia a constelação e deparar-se com o primeiro guerreiro que a conquistara desde as eras mitológicas era assustador. Talvez estivesse sendo um tanto bobo, afinal, ambos eram cavaleiros da mesma patente, mas ainda era algo notável.

— Você tem razão. A dor faz parte da vida de um cavaleiro, mas que eu passe a deixar de me ferir acidentalmente, ainda vou me deparar com isso no futuro — disse um tanto vago. Sabia que, enquanto Atena tivesse seus pés na Terra, seria uma questão de tempo até outra guerra os alcançar. Porém, agora, estava preparado para qualquer inimigo.

Até então, tudo em volta estava tranquilo. Porém, uma presença chamou a atenção de Blue e, infelizmente, já a conhecia. Mesmo sem o ver, sabia que Mikhail de Unicórnio estava por ali. Normalmente, isso não significaria nada, porém, contando com a presença de Uriel, poderia deduzir que o muviano não estava feliz. Nunca entendera a birra com o cavaleiro de Fênix, mas sabia que não queria se meter. Apenas cobriu o rosto com a mão, abafando o suspiro pesado.

Continuou olhando para o Cavaleiro por cima do ombro, ouvindo a sua última frase. Ele parecia ter uma considerável compreensão do que Uriel queria dizer… isso era interessante. Nem todo cavaleiro era adepto à aquela forma de ver tudo. Por isso transbordavam de fraquezas… Isso o deixava enojado.

Falando nisso. Uma presença familiar foi sentida pelo homem, cujo semblante caiu ainda mais assim que reconheceu. Quando olhou para frente, lá estava ele — o garoto de fios loiros e sobrancelhas estranhas, cujo tinham algo com a sua herança sanguínea ou seja lá o que for. Nunca teve interesse nos tais Muvianos, e após conhecer Mikhail, esse interesse somente diminuiu.
Uriel reconhecia alguns olhares, ainda que não fizesse diferença alguma para ele. Já era conhecido como aquele que assassinou o próprio irmão antes de alcançar a armadura de Fênix; era verdade. Por isso, grande parte preferia manter a distância ao invés de conhecer o tal homem com impulsos assassinos. No entanto, Mikhail levou essa aversão a outro nível, e por isso, ao invés de se afastar, sentia prazer em o incomodar. O que fazia com relativa facilidade.

— Mikhail… eu estou parado. Esperava mesmo que isso fosse funcionar em mim?— Disse após um breve suspiro. Logo após, continuou, ainda estático em seu lugar. — Eu sugiro que desfaça essa muralha e saia da minha frente. Antes que eu me irrite faça isso com as próprias mãos. Não vai ter muralha certa pra proteger você. —

Ele não era reconhecido exatamente por seu bom humor e complacência. Na verdade, não suportava essas atitudes, as quais julgava infantis e desnecessárias. O santuário não era lugar para isso… e apesar de cavaleiros, por regra, serem proibidos de lutar entre si, isso não o impediu da última vez. Também não impediria agora.